Tenho, há pelo menos uma década, duas latas de arroz na cozinha: uma para o arroz agulha outra para o carolino.
Digo há uma década porque bate certo com o desenrolar do caminho da maternidade e o hábito de jantar quase sempre em casa, fazer muitas mais (e mais variadas) refeições. Entre a massa e as batatas, com muito mais frequência (hábitos da casa da mãe e da avó) o arroz, ora malandrinho ora agulha. Duas latas, portanto, práticas, ali à mão , no armário junto ao fogão.
Nesses primeiros anos de maternidade, a ter de conciliar uma profissão de horários longos, com uma boa gestão alimentar e de tempo, a ter de recorrer à ajuda da querida d. Olívia para deixar adiantado, a fazer no domingo para poder ainda usar segunda, ditou a razão que se cozinhasse muito mais arroz seco do que solto. Prático e rápido, mais duradouro e quase automático de fazer. As latas não eram do mesmo tamanho, por isso, logicamente, a lata grande ficou para o agulha e a mais pequenina para o carolino.
Desculpem o grão fino dos detalhes tão mundanos, mas são só para que vos faça sentido a reflexão profunda que encontrei enquanto cozinhava no outro dia.
De há dez anos para cá a vida mudou muito. E os gostos culinários também, a mão aperfeiçoou com a prática e a vontade de experimentar novos pratos conciliou-se com o tempo que passei a ter para dedicar a casa e a família.
Seja como for, e aqui chegamos ao ponto de rebuçado desta história, prometo, ultimamente, acabo por fazer muito mais vezes arroz solto, gasto mais arroz carolino do que agulha. Mas a verdade é que continuo a usar a Lata grande para este e a pequena para o outro.
Não há-de ser o trabalho de fazer refill com mais frequência , não é isso, claro. Mas quando, outro dia, tomei consciência disto fiquei ali, a tampa da lata aberta e o pacote do ceifeira a olhar para mim, enquanto pensava quantas vezes e em quantas coisas não faremos isto : continuar a usar as mesmas “caixas” ou dar o mesmo tempo ou atenção a coisas que já não nos são úteis, não servem, não encaixam na nossa vida.
E nos recusamos a deixar ocupar o espaço merecido e necessário àquilo que agora precisamos, temos ou faz parte do nosso dia a dia ou de nós, porque “foi sempre assim”. Sejam coisas, experiências, tarefas, Hobiies, valores, pensamentos ou emoções. Fazemos muito isso com os nossos filhos - esquecendo que crescem,que não são os mesmos, e também nas nossas relações em geral, que mudam, se transformam e precisam de outras coisas para se manterem.
O que continuas a deixar ocupar espaço em ti (ou nos teus dias) que já não usas, não te serve ou não tem a ver com quem és ou como vives agora?
E o que recusas a deixar ocupar o espaço que agora merece, importa ou necessita, na pessoa que és [ou queres ser] agora?
Com ♥︎, mariana