O futuro que não estamos a querer ver: dispositivos e humanidade
As perguntas que andam pelos corredores da escolas e nas salas de conselhos pedagógicos:
Como limitar, controlar o uso da AI pelos miúdos e na escola? Como tudo isto coloca em causa o “valor”dos trabalhos, a batota em relação ao “saber”, a autoria? Onde fica o esforço e o mérito? Como podemos detetar se é feito com recurso a AI?
Para mim, um debate sem sentido!
Há muitos séculos atrás, os livros foram considerados conhecimento menor. Não era conhecimento o que não fosse de “memória”! Como Irene Vallejo tão bem conta nesse magnífico livro “ o infinito num junco”, a Grécia antiga desprezou os livros , chamou-lhes batota, resistiu-lhes, e foi cega a ver a revolução cultural e o imenso desenvolvimento que trariam ao conhecimento e vida da humanidade.
Imagino Sócrates saber que o livro e o ato de ler virou o saber catedrático , que ele só conseguia ver na oratória e na dialética! Que o livro virou o saber sagrado!
O problema não é o uso da tecnologia na escola, o problema é a escola tratar os alunos como tecnologia. O problema não está nas crianças usarem as ferramentas poderosas que existem, o problema está nas nossas crianças perceberem melhor do que nós que não há qualquer interesse em fazer o trabalho ou ter as capacidades de um computador, uma calculadora, um robot, um programa de IA.
O que importa é como tirar partido das máquinas e usa-las a favor da criatividade, da inovação, do pensamento crítico ou a favor de fazer algo melhor do quê elas. O saber muda e evolui ao ritmo da tecnologia. E o valor e as capacidades necessárias para o futuro também.
As nossas crianças não querem ser receptáculos de matérias desinteressantes e dadas como palestras ou pilhas de dados para memorizar. Não querem ser tratados como computadores.
Querem usar da sua inteligência, criatividade e visão do mundo para tirar o maior partido desses dados que já existem compiladdos e acessíveis, a um clique de distância.
Somos receptáculos do futuro, não do passado.O passado serve-nos apenas na exata medida daquilo com que queremos servir o futuro.
Semear curiosidade é uma coisa, impingir dados é outra. E esta parece estar, cada vez mais, adequada a máquinas.
Os professores já não são os detentores da informação, da verdade, da matéria. Tudo isso está disponível de muitas outras formas, muito acessíveis e práticas. E divertidas.
Temos todos, como sociedade, rever em alta mas de forma atual o papel do Professor, neste inovador século XXI. Para que serve a sua arte, a sua profissão? Qual é a sua missão, o seu porquê e para quê?
E a escola não o é se fica presa num tempo que já não existe. Se o que estamos a ensinar e a avaliar na escola pode ser feito (melhor) por uma máquina, a única conclusão possível é que temos de mudar o que ensinamos e voltar a definir o que importa, de verdade, aprender no presente , para servir um bom futuro.
Porque, no futuro, nós seremos os que julgaram “os livros” e não conseguiram ver o maravilhoso mundo novo que eles abriram às gerações futuras.
Aliás, agora que reflito , na verdade, há algo na forma como ainda avaliamos as nossas crianças que não avançou um dia sequer dessa Grécia antiga: o saber que se valoriza na escola (ainda) é o que se sabe de cor! (mesmo que seja para esquecer tudo no fim do teste!).
Com muito mãedfulness,
Mariana