É preciso sabermos quem somos quando não temos “nada”. Quando perdemos “tudo” ou algo que nos dá a “identidade”. É preciso ganhar o troféu maior que é o de descobrir o nosso valor imutável que não vai embora quando perdemos o jogo, somos o último a ser escolhido, o pior classificado.
É fácil gostarmos de nós quando nos dão medalhas e prémios e ouro e elogios.
Pode não ser tão fácil quando estragamos tudo, quando falhamos redondamente. Se o que nos sustenta não é, na verdade, uma auto estima incondicional , deixamos de saber quem somos ou sentimos que somos “nada”.
Porque é fácil perder esse senso de valor próprio, quando nunca recebemos amor incondicional, quando sentimos que temos de provar o nosso valor, de mostrar que valemos a pena. Quando o “tudo e o nada” estão ligados a um estatuto, a uma máscara, ao que alcançamos, aos nossos feitos.
Saber que num momento a nossa mãe não nos quis. Confirmar todos os dias da nossa meninice que o nosso pai não olhava sequer para nós deve ser a maior das tragédias, uma orfandade disfarçada que nos leva quase tudo o que somos - uma tristeza profunda que não tem remédio. Os seus olhos tristes não mentem (a cena final do seu documentário mostra-os tão bem) .
A sua busca por algo sempre maior, por mais, pelo próximo troféu, meta ou record. “Onde está o amor maior? Como preencho este vazio tão grande?” Parece-me sempre a mim que ele está a perguntar.
Penso que a Cristiano Ronaldo só lhe restava sobreviver. Que, na verdade, ele não é o jogador que é apesar do seu começo de vida duro, duríssimo, mas por causa dele, também.
Claro que outras vias podia ter trilhado, com zero glamour e muita desgraça - nada para ser contado, pelo menos não pelas boas razões.
Talvez isso tivesse sido - e é seguramente para muitos - o equivalente a desistir, fugir, ir morrendo.
O que CR fez foi lutar. Por escolha ou feitio. porque teve essa força e um pouco de sorte que não desperdiçou . Escolheu sobreviver. Embora não pareça, talvez. Mas por dentro, eu acho que ele continua a ser um sobrevivente. Por isso ele não desiste, não quer parar.
Não somos todos iguais. Não nascemos todos no mesmo “ponto de partida”. E mesmo os maus pontos de partida podem ser ainda piores.
Cristiano e a sua história deveriam servir menos para “endeusar o homem” - porque somos todos diferentes, temos qualidades e histórias diferentes, genes diferentes, acasos diferentes na vida, traços de personalidade diferentes - e mais para nos questionarmos como sociedade o que podemos fazer - pais, cidadãos, escolas, governos, políticas sociais, instituições, clubes desportivos - para amparar os que nascem sem ser bem vindos, os que vivem o inferno de um pai alcoólico, os que não tem um livro, um prato de comida decente, os que arriscam a vida para ter algo a que se possa chamar vida, os que não tem força de vontade, os que não têm nenhum contexto a seu favor.
CR e o seu percurso deram-nos muitas alegrias e a ele também, claro. Mas o homem , o “menino” Cristiano não precisa que tenham orgulho dele, ou que o tornem herói nacional - precisa de aceitar e amar a sua imperfeita humanidade. De descobrir que está tudo bem mesmo com a tristeza e o vazio no coração que não fica preenchido com nada. O amor maior está aí, mesmo - na aceitação de tudo isso.
Precisa que gostem dele quando ele não ganha nada, precisa conseguir gostar dele próprio quando deita tudo a perder.
Aí sim, terá ganhado a maior vitória da sua Vida [tal como todos nós]♡
Com muito mãedfulness,
mariana